quinta-feira, 12 de novembro de 2020

11 do 11

 Deixo um recado

a todos vocês

cujos rostos 

desconheço

mas me acompanham

com suas luzes 

que me apontam 

com suas sombras

que me mancam


Pergunto: se eu virasse

à direita

na esquina

daquela árvore vazia

pergunto se minha acerola

ainda daria

vermelha e azeda

na sombra do cajueiro

que rompe o pé da serra

pergunto porque sei que a terra não seca

 por amargura

mas as barrancas da minha língua adormeceram

por falta de doçura


pergunto se eu ainda

deveria carregar 

tanto brilho nos olhos

ou se deveria deixá-los

cair

gota a gota

porque a noite é escura

e faltam abrigos

a todos sonhos que carrego comigo

e ao derramar

cada um deles

sobre meus pés

sobre a terra 

crua e sem cor

ao menos aliviaria

tudo o que ressecou

e quem sabe 

por graça 

por misericórdia

por mistério

ou mesmo por pena

me abrissem os céus

para a estrela

onde vive a Jurema



pergunto a vocês

cujos rostos eu não vejo

com mãos que me seguram

com braços que me acalentam

pergunto 

se algum dia

meus lamentos

verterão arco iris

no fim desse tunel sem fundo

nalguma das tais 

voltas do mundo

algum dia


pergunto porque aqui moro

sem morada

pergunto porque amo

distante da amada

pergunto a voces

porque sei 

que a alma é tudo

mas eu

eu não sei nada

pergunto

para driblar o desengano

pergunto

pois na minha dúvida

carrego meu encanto

pois eu sou

"apenas um rapaz 

latino americano

apoiado por mais

de cinquenta mil manos"


11/11/20

segunda-feira, 13 de julho de 2020

Prelúdio depois do fim do mundo

Após tanto tempo, todos acharam que ele esgotara. Abriram milhões de valas, milhares de árvores plantadas, Maria dos Buracos não se atrasa. João, na sala do odontologista, retira o amarelo das facas e o vermelho da retina. Amor e guerra não se tardam, sangue se misturando em corpos fechados, sangue correndo em campos abertos. Vento de agosto, ar abafado, o insustentável. Árvores secas bailam em queda, alastrando o fogo da miséria. Que agora chega, sem pedir licença, nas portas das casas, condomínios, nos bolsos, na dispensa. Abriram buracos, e o fogo se alastra, depositaram sacrifícios, só que a semente ainda não vingara. Mas a palavra presa, agora está liberta, corre com os rios, ainda não se tornou pedra; e no fundo do poço, dos tantos buracos de Maria, encontrou água limpa: enfim ela grita.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Folião

Minha carne é de carnaval
meu coração arraial
nesse corpo de baile
e cabeça de folia
o pensamento repica
na emoção bateria
uma cadente disritmia
o baque da realidade
afinando a saudade
quebrando o maracatu ganga
escancara meu canto
escondendo o rei congo
louvando o santo
Ser folião
N'onde me falta o samba
eu sou baião 
arretado
timbrando alfaia
no ritmo embolado
A maré toma as ruas
Numa ciranda bonita
é meu bloco armado
Tomando a avenida
uma blitzkrieg colorida
Invade o asfalto
E lhe impõe a vida