sexta-feira, 17 de março de 2023

 Eu queria poder escrever

algo que fosse como uma faca

ou uma foice
e me matasse de uma vez só
ceifasse sem dó
cada grito
cada lamento
cada sapato perdido
pelos caminhos tortos
uma escrita que desse paz
a tantos mortos
que me habitam

Uma escrita
com letra
que rompesse a terra
permitisse o galho
a folha, flor 
a fruta
A escrita fora da raíz
da tumba
da escuridão
A palavra que não é só
silêncio

Queria escrever
como quem derrama
uma bebida de porre
aquilo que já não cabe
num gole
uma escrita que me permita
a embriaguez
a tolice
A escrita que me poupasse
o fígado
e o estômago

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